Errantes. A nave abatida deslizava rápida e cheia de complexos nas fortes ondas de uma tempestade de verão. Diante do esplendor atmosférico, não fazia sentido para o corsário encontrar ali outra nave que trouxesse pirataria esdrúxula como os exóticos escravos africanos. “Porque diabos a coroa estaria preocupada com insignificantes animais de pele condenada”. Abortou essa idéia de sua cabeça infeliz e inteligente.
As imagens se sucediam delirantes e ambiciosas como se o corsário estivesse embriagado; ou tivesse bebido um barril inteiro de vinho sozinho frente á possibilidade de um naufrágio. Não sentia medo; apenas fascinação. Eram ondas gigantescas que gritavam, cheias de si, pelo simples fato de querer ficar sozinhas naquele período; afinal, excitadas, era indecente ter aquelas caravelas ali deslizando na superfície do seu ventre. Parecia que o barco as deixava mais e mais... aborrecidas. Era de costume o mar agir assim em tempos de menstruação. O corsário sorriu ironicamente; e mesmo naquele estado de uma suposta embriagues, ele não tutibiou em cobiçar aquela loucura; aquele estado do vai e vem das ondas que fazia do barco algo divertido, vulnerável e delirante. Foi quando ao virar-se viu, na proa, algo flutuando como uma nuvem. Uma mulher de vestido longo, branco e esvoaçando como uma neblina. A imagem não fazia parte da cena, mas possuía independência própria na sua aparição. Era linda, e o corsário perdido começou a desconfiar da sua própria sanidade. Não sentia a caravela tocar, no vai e vem das ondas, a ponta dos seus pés. Passou a acompanhar os movimentos insólitos do fantasma que o retirava de suas funções primordiais: dos seus deveres de estar ali na proa. Passou a desejar algo com tanta intensidade que a própria fascinação da tempestade já não mais cabia na sua lúcida tentativa de se manter no equilíbrio abordo.
A nave vacilava perdia nas ondas rumo ao nada e ia sendo consumida pela voracidade das profundas águas obscurecidas. Em fúrias, num desvio de ilusão, o barco tombou sem relutar com a força do mar, entregando-se de uma forma frenética e sedutora a gula da volúpia marinha. Afogado, homem e marujo ficaram divididos numa tentativa inútil e esbravejando de tentar resgatar um pouco mais de sobrevida para reerguer o mastro da hermafrodita nau; ou quem sabe, a obscura dualidade corsária. Tarde de mais. Emborcada, no derradeiro, ofegante e convulsivo, o navio ia sendo tragado pela incontrolável volúpia de um mar corpulento e dominador. Toda a tripulação movia-se tranqüila e agonizante nas profundas águas onde a paz conjugava o destino dos náufragos com a morte quente e anestésica. Inconformado, o corsário relutou contra, e; indo até a superfície, tentou inutilmente ressurgir das trevas para outra tão bela e desigual. Mas seu coração já fora roubado no encontra de duas tempestades perfeitas e catastróficas. Decidiu, então, pelo cansaço, deixar o corpo corsário afundar nas águas eróticas do gigantesco ventre marinho. Não era à força de uma ressurreição; mas o nascimento de uma divindade ungida pela aparição de um espectro santificado fora de hora. O corpo desceu tranqüilo, morto, adormecido. Vendo, era algo que se podia acreditar na existência de Deus: a nave tombou oca, desfalecida, rangendo em várias cicatrizes e repousando no conforto das areia mais macias existente em todo o oceano; para logo em seguida, no decorrer de dois mil anos, dá vida a inúmeros cardumes, crustáceos e mamíferos que povoaram a sobrevivência de uma entropia molecular.
Nadando exaustivo, o homem nu chegou a uma praia deserta. Diante de tantos acontecimentos, ele se viu ali isolado, desprovido e sem utilidade. Estarrecido, viu a nau suspensa num imenso rochedo, triunfante, com suas velas resplandecentes esvoaçando ao sabor dos ventos. Como um bom corsário, mais uma vez, deixou-se afogar com a beleza do mastro em vigorosa ereção. Deu de queixos.
Paulo César de Souza - Setembro de 2007 (Búzios)
As imagens se sucediam delirantes e ambiciosas como se o corsário estivesse embriagado; ou tivesse bebido um barril inteiro de vinho sozinho frente á possibilidade de um naufrágio. Não sentia medo; apenas fascinação. Eram ondas gigantescas que gritavam, cheias de si, pelo simples fato de querer ficar sozinhas naquele período; afinal, excitadas, era indecente ter aquelas caravelas ali deslizando na superfície do seu ventre. Parecia que o barco as deixava mais e mais... aborrecidas. Era de costume o mar agir assim em tempos de menstruação. O corsário sorriu ironicamente; e mesmo naquele estado de uma suposta embriagues, ele não tutibiou em cobiçar aquela loucura; aquele estado do vai e vem das ondas que fazia do barco algo divertido, vulnerável e delirante. Foi quando ao virar-se viu, na proa, algo flutuando como uma nuvem. Uma mulher de vestido longo, branco e esvoaçando como uma neblina. A imagem não fazia parte da cena, mas possuía independência própria na sua aparição. Era linda, e o corsário perdido começou a desconfiar da sua própria sanidade. Não sentia a caravela tocar, no vai e vem das ondas, a ponta dos seus pés. Passou a acompanhar os movimentos insólitos do fantasma que o retirava de suas funções primordiais: dos seus deveres de estar ali na proa. Passou a desejar algo com tanta intensidade que a própria fascinação da tempestade já não mais cabia na sua lúcida tentativa de se manter no equilíbrio abordo.
A nave vacilava perdia nas ondas rumo ao nada e ia sendo consumida pela voracidade das profundas águas obscurecidas. Em fúrias, num desvio de ilusão, o barco tombou sem relutar com a força do mar, entregando-se de uma forma frenética e sedutora a gula da volúpia marinha. Afogado, homem e marujo ficaram divididos numa tentativa inútil e esbravejando de tentar resgatar um pouco mais de sobrevida para reerguer o mastro da hermafrodita nau; ou quem sabe, a obscura dualidade corsária. Tarde de mais. Emborcada, no derradeiro, ofegante e convulsivo, o navio ia sendo tragado pela incontrolável volúpia de um mar corpulento e dominador. Toda a tripulação movia-se tranqüila e agonizante nas profundas águas onde a paz conjugava o destino dos náufragos com a morte quente e anestésica. Inconformado, o corsário relutou contra, e; indo até a superfície, tentou inutilmente ressurgir das trevas para outra tão bela e desigual. Mas seu coração já fora roubado no encontra de duas tempestades perfeitas e catastróficas. Decidiu, então, pelo cansaço, deixar o corpo corsário afundar nas águas eróticas do gigantesco ventre marinho. Não era à força de uma ressurreição; mas o nascimento de uma divindade ungida pela aparição de um espectro santificado fora de hora. O corpo desceu tranqüilo, morto, adormecido. Vendo, era algo que se podia acreditar na existência de Deus: a nave tombou oca, desfalecida, rangendo em várias cicatrizes e repousando no conforto das areia mais macias existente em todo o oceano; para logo em seguida, no decorrer de dois mil anos, dá vida a inúmeros cardumes, crustáceos e mamíferos que povoaram a sobrevivência de uma entropia molecular.
Nadando exaustivo, o homem nu chegou a uma praia deserta. Diante de tantos acontecimentos, ele se viu ali isolado, desprovido e sem utilidade. Estarrecido, viu a nau suspensa num imenso rochedo, triunfante, com suas velas resplandecentes esvoaçando ao sabor dos ventos. Como um bom corsário, mais uma vez, deixou-se afogar com a beleza do mastro em vigorosa ereção. Deu de queixos.
Paulo César de Souza - Setembro de 2007 (Búzios)
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